Artista Britto Velho - Currículo do Artista
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Britto Velho
Carlos Carrion de Britto Velho (Porto Alegre, 1946), mais conhecido como Britto Velho, é um Pintor, desenhista, gravador, professor e escultor brasileiro Muda-se para Buenos Aires (Argentina) e reside dos onze aos dezenove anos na cidade, onde faz as primeiras pinturas. Em 1965 retorna a Porto Alegre, onde expõe pela 1ª vez em 1971. Estuda litografia com Danúbio Gonçalves, em 1974, e neste mesmo ano participou da Bienal Nacional de São Paulo. No ano seguinte, viaja a Paris (França) e faz estágio na gráfica de litografia Desjobert. Na cidade pinta a série Reflexões e Variações sobre a América Latina, onde as figuras em cores escuras surgem vendadas e com microfones, que segundo o artista representam uma denúncia à ditadura da época.
Fica em Paris até 1976, quando volta ao Brasil e passa a lecionar pintura no Ateliê Livre da Prefeitura de Porto Alegre, entre 1978 e 1981. Nessa época ocorre uma mudança em seu trabalho. As figuras passam a ter olhos novamente e como no início de sua carreira, são pintadas em tonalidades mais claras. Em 1981, as figuras ganham um 3º olho, o que segundo o artista significa o olho da visão interior. Nas pinturas, interagem o homem, animais e objetos do cotidiano, como elefantes de rodas, transformando-se em veículos e esses possuindo membros humanos.
A partir daí em todas as pinturas observam-se os três olhos, até 1995, quando volta a pintar figuras com dois olhos. É convidado pela Rede Brasil Sul de Comunicações de Porto Alegre a fazer um outdoor para o projeto Vamos Colorir a Cidade. Muda-se para São Paulo em 1985 - onde permaneceu até 1991 - e no ano seguinte participa da 2ª Bienal de Havana. Participa do Projeto Extremos, uma exposição de pintura com Aprígio Fonseca, Dina Oliveira e Leonel Mattos, montada em 10 capitais brasileiras. É convidado pelo Sesc Pompéia em São Paulo a realizar o cartaz da exposição Gente de Fibra, mostra de que participa com esculturas.
Em 1991, volta a morar em Porto Alegre, onde recebe homenagens do Museu de Arte Contemporânea de Porto Alegre - MAC e do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli - Margs que dão destaque a sua obra. Nessa época realiza a retrospectiva O Realismo Mágico de Britto Velho, com obras desde 1975. Vive atualmente em Porto Alegre, onde ministra cursos particulares de pintura em seu ateliê.
Desde os anos 70 vem desenvolvendo ativa carreira no Brasil e no exterior, participando da Bienal de São Paulo e muitos outros eventos importantes, além de realizar inúmeras exposições individuais. A partir 1995, em Porto Alegre, começou a desenvolver trabalhos na área tridimensional e no ano seguinte fez individual de pinturas sobre madeiras recortadas.
Tem obras em coleções privadas e públicas, e seu trabalho, que partiu de uma matriz pop e se desenvolveu incorporando traços do surrealismo, já foi objeto de estudo de Marilene Burtet Pieta (em A Modernidade da Pintura no Rio Grande do Sul) e de Maria Lúcia Kern, Mônica Zielinsky e Icléa Borsa Cattani (em Espaços do Corpo).
A cronologia de exposições do artista é extensa, destacando-se atualmente como um dos maiores artistas plásticos vivos do Rio Grande do Sul.
A ARTE CHEIA DE CORES DE BRITTO VELHO, UM OBSERVADOR ATENTO DA HUMANIDADE
Tudo começa com um desenho. Papel, caneta Bic e qualquer lugar: pode ser um restaurante, um bar, uma praça ou até mesmo dentro de casa. A inspiração é imediata e - ficando ainda vinculado ao exemplo caseiro - esta mesma inspiração pode estar num objeto aparentemente irrelevante, como uma cadeira, ali há tantos anos, mas que a partir daquele momento começará a ganhar uma outra forma. Agora não mais apenas como um objeto e sim como um ser vivo, com cabeça, braços, pernas, orelhas e olhos - às vezes não dois, mas três. O papelzinho do desenho original não se perde. Vai para uma pasta. O que passa para tela, aí sim, se modifica. "Um desenho começa no quadro e, às vezes, não acaba", explica o artista. Não é abstrato, pois a figura humana é o centro de tudo.
Depois vêm as cores. Elas também já estão ali. Surgem em sonhos, mas se adaptam às formas. A composição nasce da parceria da cor com a forma. Aí nesse momento é preciso ser rígido, espartano. A rigidez, porém, não se subordina a nenhum planejamento, tampouco a qualquer espécie de arrependimento. O desenho quase nunca muda. O que pode ocorrer é a cor ficar ainda mais vibrante. A cor precisa falar.
E se a cor necessita se expressar, quem dá voz a ela é a tela. A tela fala. Com palavras e com clareza. Quando o artista pensa em desobedecê-la, a tela argumenta, insiste, discute. Quando os argumentos cessam, a tela exige. "Uns 20%, eu domino. Os outros 80%, a tela domina", resigna-se, de forma obediente, o artista.
É assim, desse estranho diálogo, quase uma alquimia, que nascem as obras de Carlos Carrion de Britto Velho, 76 anos, um dos mais importantes e considerados artistas de sua geração. Toda essa trajetória - da idealização inicial ao quadro concluído, que leva em média oito dias de intenso trabalho - me foi explicada pelo próprio artista, na sua casa/ateliê tendo ao lado dezenas de quadros de sua autoria, pincéis, tintas, cavaletes e a constante companhia de Zuneide, sua mulher há quase meio século. E quer saber? Tudo faz o maior sentido.
Enquanto eu ouvia a explicação de Britto Velho e observava os quadros ao redor, ia me dando conta de que tudo que ele falava era real. Aquilo que eu via com olhos, orelhas, mãos tortas e gigantescas podia ser perfeitamente... uma cadeira, ora.
Quer saber mais? Então presta a atenção que Britto Velho seguirá explicando.
Além das telas, quem conversa muito com Britto Velho é Vincent Van Gogh. O mestre holandês, garante o artista gaúcho, circula pelo apartamento onde ele vive com Zuneide, no bairro Petrópolis. Zuneide não acompanha o delírio do marido e explica que nunca o viu, mas Britto Velho tem certeza de que Van Gogh seguido aparece por ali, cruza pelo corredor e para perto da mesa para trocar ideias e conversar. Em português!
Disciplinado - às vezes até neurótico, como ele mesmo se define - Britto Velho pinta todos os dias. Acorda cedo, por volta das 6h30min, 7h, prepara seu café, serve um mamão cortado para Zuneide e começa a trabalhar, de pijama, mesmo. Dá uma parada por volta do meio-dia, quando é servido o almoço ("A Zuneide cozinha muito bem", confidencia), toma um sorvete de sobremesa, um cafezinho e retoma o trabalho. Nada dispersa sua concentração. Não ouve música, não atende celular - "Só a Zuneide tem meu número" -, não se distrai. Apenas, lá pelo final da tarde, dá por encerrado os trabalhos daquele dia e às vezes sai para uma caminhada ou para um chope. Às quartas-feiras, a rotina é um pouco diferente. É o dia em que Britto Velho recebe seus alunos. "São aulas livres, em que eu apenas dou orientações básicas e deixo que eles criem à vontade".
Nascido em Porto Alegre em 1946, filho de um psiquiatra e de uma dona de casa, Carlos Carrion de Britto Velho mudou-se para Buenos Aires aos nove anos. Ao lado da mãe e de quatro irmãos, a família seguiu o pai, que se estabeleceu na capital argentina para fazer seu mestrado. Foi lá que Britto Velho teve sua primeira experiência artística. Aproveitando uma viagem dos pais à Europa, o adolescente pegou uma bandeja da família, lixou e pintou uma paisagem. Quando retornaram, os pais tiveram duas reações diferentes: "Meu pai ficou contente, maravilhado! Minha mãe reclamou, mandou lixar e devolveu a bandeja à função original", recorda Britto Velho. "Minha mãe encerrou o assunto dizendo: 'Por que um filho meu vai ser artista? Para morrer de fome?'".
Taí um problema que jamais atingiu Britto Velho e Zuneide. Não apenas nunca passaram fome, como nos últimos anos o artista vem obtendo alto reconhecimento pelo seu trabalho. "Conheci o Britto há mais de 20 anos, e logo nos aproximou a maneira como vemos a arte, o ofício de artista. Posso dizer que de alguma maneira somos parentes artísticos, pois nosso universo, embora aparentemente diferente, tem a mesma linguagem pop, influenciada talvez pelas histórias em quadrinhos que líamos nos anos 1970 e 80", avalia Eduardo Vieira da Cunha, também artista plástico e com uma trajetória muito próxima à do amigo. "Nos conhecemos melhor quando recebemos um convite para uma exposição em conjunto em Caxias do Sul, há 17 anos. E assim nos tornamos grandes amigos, embora nos falássemos mais ao telefone. Britto é um pouco mais velho do que eu, mais experiente no metiê."
O reconhecimento ao trabalho de Britto Velho se traduz, nos últimos tempos, em boas vendas, tanto para colecionadores especializados quanto para pessoas que o visitam no ateliê para adquirir quadros. Um exemplo do primeiro caso é o médico e colecionador de artes plásticas Gilberto Schwartsmann. "Minha amizade com Britto Velho vai muito além da admiração por sua imensa e importante obra artística. Nós desfrutamos da intimidade, trocamos conselhos, temos a liberdade da crítica e compartilhamos os bons e maus momentos da vida, como fazem os amigos verdadeiros".
Depois da temporada argentina, ao lado dos pais, Britto Velho, de volta ao Brasil, aos 19 anos, tentou cursar Arquitetura. Ficou menos de um semestre na faculdade e desistiu. Já tinha na cabeça que queria ser artista e não via sentido perder tempo com aulas enfadonhas de cálculos. "Já prezava muito a minha independência. Não me imaginava trabalhando e me submetendo aos desejos de outras pessoas". Também não pensava em cursar o Instituto de Artes. Aproximou-se do Atelier Livre da Prefeitura, ficou íntimo de nomes como Xico Stockinger, Iberê Camargo, Paulo Peres e Danúbio Gonçalves (de quem foi aluno) e passou a desenvolver seus trabalhos, envolvendo-se com esculturas, litografias, serigrafias e pinturas em tela. "Como falar de uma amizade tão especial e de tanto tempo sem agradecer nosso encontro nesta vida?", destaca Anete Abarno, artista plástica, ex-coordenadora de Artes da SMC e viúva de Paulo Peres. "Nos conhecemos desde quando o Atelier Livre da Prefeitura era na rua Lobo da Costa, e nossa amizade se mantem até hoje, cheia de afeto. O Britto Velho é um excelente contador de histórias e um bom dançarino. Sempre é ótimo encontrá-lo".
Já distante do Atelier Livre, no início dos anos 1970, Britto Velho considerava-se pronto. Fez sua primeira exposição em 1971, na Galeria Pancetti, em Porto Alegre, mostrando desenhos em bico de pena, aquarelas e óleos sobre tela. Teve boa receptividade da crítica e do público, inclusive superando suas expectativas. Não parou mais. Passou temporadas em Paris - "Fiquei seis meses sem pintar, tamanho foi meu impacto diante de tudo aquilo" - frequentou museus, estudou na Gráfica Desjobert, interagiu com outros artistas e nunca mais deixou de expor - em mais de cinco décadas de carreira, já são mais de 50 exposições individuais e tantas outras dezenas de mostras coletivas.
A vida no exterior o aproximou do Brasil. "Quando vivi em Paris, foi que comecei a descobrir o Brasil, a América Latina e seus problemas. Em Paris, fiz minhas pinturas mais sombrias, a série Reflexões e Variações sobre a América Latina com figuras de vendas nos olhos e microfones, que usei como forma de denúncia da ditadura da época". Essa visão artística é ressaltada por Vieira da Cunha. "Admiro a maneira clara que ele fala do trabalho, com uma pegada autobiográfica, e as suas histórias do pai, psicanalista, assim como o tempo em que estudou em Buenos Aires. É um artista corajoso, que soube fazer uma crítica irônica ao regime militar, com as figuras sinistras dos generais. Sua paleta era mais escura à época, e depois foi ganhando leveza e apuro técnico".
De volta ao Brasil, em 1976, Britto Velho se estabelece novamente em Porto Alegre, passando a lecionar pintura no Ateliê Livre da Prefeitura, entre 1978 e 1981. "Passei de aluno a mestre. Eu, que nunca tive uma base acadêmica, virei professor. Mas sempre fui um autodidata atento aos livros e ao que era apresentado em museus e galerias". De novo Vieira da Cunha analisa a trajetória de Britto Velho: "Com uma longa atuação no cenário artístico do Estado e do País, ele nunca deixou se deslumbrar, mesmo nos anos que morou em São Paulo. Retornando à Porto Alegre, soube compartilhar seu conhecimento com uma geração de alunos que passaram pelo seu ateliê". Anete segue a análise: “O Britto Velho tem uma produção artística intensa e da maior relevância para as artes. Como observador atento da humanidade, ele e sua obra propõem sempre uma reflexão filosófica”.
Em 1985, Britto Velho encarou uma nova mudança, agora para São Paulo. A temporada paulista rendeu prestígio, reportagens e entrevistas em jornais e revistas de circulação nacional, e dinheiro. "Até hoje um amigo não se conforma que eu tenha abandonado o mercado paulista, onde minhas obras podem valer até quatro ou cinco vezes mais", compara Britto Velho, declarando-se satisfeito com a cotação atual que obtém. E pergunta: "Por que valer mais? Para deixar de morar em Porto Alegre?" Ele mesmo responde: "Não quero. Prefiro morar aqui e continuar sendo independente".
Pelos olhos de Zuneide
Zuneide é uma presença constante na vida de Britto Velho há quase meio século. Casados desde março de 1975, os dois já viveram em São Paulo e em Porto Alegre. Ela, que em outras épocas já trabalhou em agências de publicidade, há anos se dedica ao marido: cuida de seus compromissos, agenda as entrevistas, organiza as aulas, negocia obras de arte e - o mais importante - opina muito sobre os trabalhos produzidos.
O casal não tem filhos, mora há mais de três décadas no mesmo apartamento, gostam de receber amigos em casa e de eventuais saídas para visitar amigos ou ir a restaurantes. Aí reside uma das poucas divergências entre os dois. Ele gosta de chope, ela de vinho. Outra divergência é sair de Porto Alegre. Ela gosta de viajar, ele não. Como nenhum dos dois dirige, a opção dele fica mais fácil de prevalecer.
Inspiradora e crítica, Zuneide avalia tudo o que o marido faz. "Respeito mais a opinião dela do que a minha própria", explica Britto Velho. "Se ela não me diz o que está pensando, eu nem sigo em frente".
Britto Velho responde a um questionário sobre suas predileções no mundo artístico
Qual o trabalho de sua autoria que você considera inesquecível?
"Não tenho. Como tenho sempre a obsessão de renovar, muitas vezes quando concluo, acho ruim. Então acredito que o melhor trabalho será o próximo".
Qual o trabalho de outro artista que você considera inesquecível?
"Guernica, de Pablo Picasso. Vi ao vivo. E a loucura contida ali é impressionante".
Qual o trabalho que mais te perturbou?
"As obras de Francis Bacon. Me ajudaram a ver um pintor que pegava o ser humano e o modificava. Tudo isso por uma ótica cheia de morbidez. Eu era jovem e aquilo me marcou".
Qual o trabalho que você gostaria de ter em casa?
"Qualquer um do Matisse em azul. E olha que eu sou colorado".
Qual o maior artista brasileiro?
"Xico Stockinger. Um grande escultor, com imensa sensibilidade. Alguém que exaltava a vida".
Qual o artista mais superestimado?
"Volpi. Foi um grande artista, mas não era o gênio que muitos falam".
E o mais subestimado?
"Durante muito tempo foi a Magliani. Mas agora ela vem sendo bastante lembrada e valorizada. Merecidamente".
Qual o melhor livro sobre um artista?
"Conversas Com Francis Bacon, de Frank Maubert".
Qual o melhor filme sobre um artista?
"Com Amor, Van Gogh, de Dorota Kobiela e Hugh Welchman. Ver aquelas imagens em movimento é impressionante".
Qual deve ser o maior mérito de um artista plástico?
"Falar do seu momento a partir de si mesmo. A partir de mim, eu falo do meu mundo".
O que um artista plástico deve evitar?
"Os modismos. E a preocupação excessiva com o mercado de arte. Quem ganha dinheiro é quem investe, nunca o artista".
Qual foi o último artista que te surpreendeu?
"Não foi nenhum artista novo. Foi Guignard. Um pintor avesso aos modismos e que cada vez quero conhecer mais".
Qual tua maior inspiração?
"A Zuneide, claro".
JORNAL DO COMÉRCIO - Reportagem cultural - Márcio Pinheiro
Publicada em 02 de Março de 2023